CAS vota marco regulatório para pesquisas clínicas
26 de junho de 2016TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
1 de julho de 2016Resumo: O artigo tem como objetivo, após breves linhas sobre a construção do direito à saúde no Brasil, analisar a responsabilidade civil do Estado por erro médico cometido durante a prestação do serviço público de saúde em hospitais públicos e hospitais privados conveniados ao SUS e a Teoria adotada. Analisará também de quem é a responsabilidade em virtude do ato omissivo praticado pelo sujeito ao serviço público de saúde.
Palavras-chave: Direito à saúde; a responsabilidade civil do estado; erro médico.
Sumário: 1. Introdução; 2. Responsabilidade Civil do Estado por Ato Comissivo e a Teoria do Risco Administrativo; Erro médico no âmbito do SUS; Responsabilidade Civil do Estado por Ato Omissivo; Conclusão; Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Após a segunda guerra mundial a Organização das Nações Unidas firmou um acordo que deu origem à Carta das Nações Unidas, em 1945, onde está prevista a criação da Organização Mundial da Saúde – OMS, por intermédio do qual a saúde alçou a sua condição de direito de todo o ser humano, sendo considerada, à proteção a saúde, o princípio básico para a felicidade, as relações harmoniosas e a segurança de todos os povos, como diz o artigo 1º da Carta.
Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que delineia os direitos humanos básicos, foi adotada pela Organização das Nações Unidas em 1948, e a proteção à saúde foi assim considerada: “Art. 25º. 1) Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”.
“Reconheceu-se, assim, que a essencialidade do conceito de saúde reside no equilíbrio interno do homem, bem como entre esse e o meio ambiente, considerado como o bem-estar físico, mental e social. Qualquer enunciado do conceito de saúde que ignore essa situação, deturparia a ideia essencial de saúde, algo indispensável à dignidade humana.”
Em 1978 foi formulada a Declaração de Alma-Ata por ocasião da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, na República do Cazaquistão (ex-república socialista soviética), dirigindo-se a todos os governos, na busca da promoção de saúde a todos os povos do mundo.
Durante todos esses acontecimentos, a Constituição Federal Brasileira foi se formando, evoluindo, como disse Nicole Lemaitre, “na história é sempre o documento que comanda a compreensão.”.
A primeira Constituição Federal do Brasil é de 1824, época do Brasil Império, depois a de 1891, Primeira República, de 1934, Revolução, de 1937, Estado Novo, de 1946, Redemocratização e Parlamentarismo, de 1967, Militarismo, e a de 1988, então vigente, Nova República.
Durante a era militar, foram realizadas quatro conferências nacionais de saúde, entre as quais, a VIII Conferência, presidida pelo então professor Antonio Sérgio da Silva Arouca , onde foi mencionada a situação da assistência à saúde no Brasil, naquele momento.
“A VIII Conferência de Saúde, realizada em 1986, foi um dos principais momentos da luta pela universalização da saúde no Brasil, e contou com a participação de diferentes atores sociais implicados na transformação dos serviços de saúde. Reuniram-se acadêmicos, profissionais da área de saúde, movimentos populares de Saúde, sindicatos, e mesmo grupos de pessoas não diretamente vinculados à saúde. O conjunto dessas forças impulsionou a reforma sanitária, que obteve sua maior legitimação com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Segundo LUZ (2000: 302) “a intensa movimentação da sociedade civil teve um papel muito importante para a aceitação, na política oficial, das propostas da VIII Conferência Nacional de Saúde, em grande parte consubstanciadas no SUS”. Esse marco representou uma ruptura inédita com a história anterior das políticas sociais brasileiras, ao garantir o acesso à saúde como direito social universal.”
A Constituição Federal foi promulgada em 1988, pela Assembleia Nacional Constituinte, resultado da superação de uma fase autoritária de nossa história e da opção, pela sociedade, por um regime mais aberto e democrático.
Contêm os fundamentos e diretrizes que deverão ser seguidas pela sociedade em suas relações jurídicas. Constitui fundamento constitucional todo aquele valor social considerado imprescindível para a sociedade num dado momento histórico, cuja complexidade demanda um tratamento jurídico diferenciado. E as diretrizes fixam metas para o Estado e para sociedade, que deverão ser alcançadas por instrumentos jurídicos. Sua concretização depende da adequação entre a realidade social e o fim preestabelecido na Constituição.
É conhecida como “Constituição Cidadã”, assim chamada por Ulysses Guimarães por ter a Constituição uma grande quantidade de leis voltada á área social, área em que se enquadra o direito à saúde.
“Hoje. 5 de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a Nação mudou. (Aplausos). A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos Poderes. Mudou restaurando a federação, mudou quando quer mudar o homem cidadão. E é só cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa.”
Nota-se que a saúde foi encaixada num contexto amplo, até então desconhecido dos modelos constitucionais anteriores, sendo reconhecida como um direito social:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DOS DIREITOS SOCIAIS. “Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
A universalidade do atendimento foi selada pela Constituição, no artigo:
DA SAÚDE. “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação da saúde.”
Estes três objetivos estão claros quando se insere o modelo do Sistema Único de Saúde SUS, nos artigos:
“Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”
“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III – participação da comunidade.”
“Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
I – controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
III – ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV – participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
V – incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
V – incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação;
VI – fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII – participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.”
Nesse contexto, o Congresso Nacional aprovou a Lei Orgânica de Saúde – Lei 8080 de 19 de setembro de 1990, na qual está detalhado o funcionamento do SUS. O SUS está definido no artigo 4º, da Lei: “Art. 4º. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS). § 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde. § 2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar.”
“A lei também enfatiza o papel supletivo do Estado em relação ao Município, além de conservar as atribuições da União, tais como a direção geral do SUS. A distribuição da participação de cada uma das esferas de governo e a participação do setor privado assim ficou estabelecida:
União: responsável pela coordenação, normalização e financiamento do SUS; vigilância sanitária de portos, aeroportos e fronteiras; execução de ações de vigilância epidemiológica e sanitária em circunstâncias especiais (ocorrência de agravos com risco de disseminação nacional que escapem ao controle dos estados); regulação das relações do SUS como o setor privado; cooperação técnica e financeira a estados e municípios; serviços de atendimento à saúde da população: de forma permanente, por meio do INCA, de administração direta e da Associação das Pioneiras Sociais, por meio de contrato de gestão; também de forma transitória, por meio de ampla rede própria, integrada por hospitais, postos de assistência médica, centros e postos de saúde ainda não integralmente transferidos para gestão municipal ou estadual, espalhados por mais de 700 municípios.
Estado: não tem atribuição constitucional específica no campo da saúde. Suas funções são semelhantes às da União, exercidas pelas respectivas Secretarias de Saúde.
Município: de acordo com o disposto no artigo 30, inciso VII, da Carta Magna, cabe ao Município prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população.”
Portanto, em casos de erro médico cometido na prestação do serviço público ou privado que presta serviço público de saúde quem deverá configurar no polo passivo da ação de indenização? O médico que cometeu o “erro”? A União, responsável pela direção nacional do SUS? O Município, que possui competência para organizar as ações e serviços de saúde? Ou o Ente Federativo responsável pelo Hospital? Eis o que se passa analisar.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO COMISSIVO E A TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO
Entende-se por ato comissivo, uma ação. É o erro médico. O médico operou a perna errada. O médico é responsável pelos atos praticados.
Entende-se por responsabilidade, uma obrigação. E o descumprimento de uma obrigação, ou um ato ilícito, pode gerar um dano, podendo o Estado responder objetivamente, ou mediante regresso contra o agente responsável, nos casos de dolo ou culpa.
Quando se trata de hospital privado prestador de serviços públicos ou hospital público que atendem pacientes do SUS, tem-se reiteradamente a aplicação da responsabilidade objetiva, que dispensa a comprovação de culpa, fundada na teoria do risco administrativo.
O hospital pode ser uma por pessoa jurídica de direito público, como o Hospital do Servidor Público Municipal que atende paciente do SUS, ou uma pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços públicos, como o Hospital Albert Einstein, Hospital Sírio Libanês e Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo que atendem pacientes particulares, de convênios, mas também tem convênio com o Estado para atender pacientes do SUS.
É o que prevê a Constituição Federal de 1988, art. 37, § 6º. “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
E mais recentemente o Código Civil de 2002, art. 43. “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”
Exige-se apenas a relação de causalidade entre a atividade administrativa desempenhada pelo Estado e consubstanciada na culpa do agente e o dano causado a terceiros. O ente público não responderá apenas quando provar algumas das excludentes e este ônus incumbe à administração.
Ensina Sérgio Cavalieri Filho: “Duas outras conclusões podem ser extraídas do texto constitucional em exame: O Estado só responde pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. A expressão seus agentes, está a evidenciar que o constituinte adotou expressamente a teoria do risco administrativo como fundamento da responsabilidade da administração pública, e não a teoria do risco integral, porquanto condicionou a responsabilidade objetiva do Poder Público ao dano decorrente da sua atividade administrativa, isto é, aos casos em que houver relação de causa e efeito entre a atividade do agente público e o dano. Se m essa relação não há como, e nem porque, responsabilizá-lo. Importa dizer que o Estado não responderá pelos danos causados a outrem pelos seus servidores quando não estiverem no exercício da função, nem agindo em razão dela. Não responderá, igualmente quando o dano decorrer de fato exclusivo da vítima, caso fortuito ou força maior e fato de terceiro, por isso que tais fatores, por não serem agentes do Estado, excluem o nexo causal.”
Estende-se aos prestadores de serviços públicos a mesma responsabilidade objetiva cometida ao Estado.
Assim, os hospitais conveniados ao SUS prestam serviço público, realizam atividade típica da administração, como se Estado fossem, e por isso respondem de igual modo.
“Os hospitais conveniados, em síntese, respondem solidariamente com o SUS.”
Pela teoria do risco integral o Estado figuraria como verdadeiro segurador universal, ou seja, aconteceu qualquer problema, mesmo sem a presença de nexo causal entre o que o Estado fez e o dano causado, admitiríamos a responsabilidade do Estado. Esta teoria é aplicada no direito ambiental, para empresas que tem um alto impacto de lesão ambiental, por exemplo, uma poluição que se sabe ou não que é originada da atividade da empresa, pela teoria do risco integral se admite a responsabilização da empresa.
Aqui no Brasil a teoria do risco integral não é aceita nos casos de responsabilidade do Estado por erro médico.
A teoria do risco social não é a que adotamos. É assunção de um risco extraordinário pelo Estado pela atividade social do Estado.
E a teoria do risco administrativo é a teoria que o Supremo Tribunal Federal-STF vem adotando para a responsabilidade do Estado em caso de erro médico. E em que consiste essa teoria? Ela considera que a responsabilidade civil do Estado tem natureza objetiva, ou seja, não se afere culpa. Na responsabilidade civil do Estado, em geral, artigo 37, § 7º, apura-se a responsabilidade objetiva, ou seja, para configurar a obrigação de indenizar, necessário se faz os elementos: ato ilícito, existência de um dano e a existência de um nexo causal, ficando dispensada a investigação da culpa. Portanto se alguém sofrer um erro médico, ao ajuizar uma ação contra o Estado, vai se preocupar em mostrar um dano cuja conduta vem do hospital ou do serviço médico, o que vai gerar um nexo causal, sem querer saber a culpa do hospital ou do médico.
Não demonstrada à responsabilidade subjetiva – culpa do médico que realizou o serviço – afastar-se-ia o dever de reparar atribuído ao Estado.
A teoria do risco administrativa aceita algumas excludentes de responsabilidade do Estado, por exemplo, caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro e a ausência de nexo causal.
“O risco administrativo torna o Estado responsável pelos riscos de sua atividade administrativa, mas não pela atividade de terceiros, da própria vítima ou de fenômenos naturais, alheios à sua atividade. Se o Estado, por seus agentes, não deu causa a esse dano, se inexiste relação de causa e efeito entre a atividade administrativa e a lesão, (…) o Poder Público não poderá ser responsabilizado”.
Também tratou com acerto a matéria, na decisão a seguir parcialmente transcrita: “restou decidido ser prescindível, para caracterizar a responsabilidade do fornecedor, que tenha ocorrido defeito relativo à prestação do serviço, ou seja, a culpa do preposto do estabelecimento que forneceu o atendimento, notadamente no ramo da atividade médica, que é uma obrigação de meios, não de resultado. Tal fundamento há de ser igualmente aplicado às pessoas jurídicas de direito público no caso específico dos estabelecimentos hospitalares, que são fornecedores de saúde, que é essencial e constitucionalmente protegido – artigo 198 da CF. Trata-se de direito de todos e dever do Estado, a ser executado pelas empresas públicas ou privadas pelo comando constitucional. A responsabilidade dos hospitais será objetiva somente no que se refere diretamente aos serviços prestados pelos estabelecimentos, ou seja, aqueles que digam respeito à internação, às instalações físicas, aos equipamentos, aos serviços auxiliares, como enfermagem, exames, etc, e não aos serviços profissionais dos médicos que ali atuam ou que prestem serviços ao estabelecimento. Para estes, a responsabilidade será subjetiva, isto é, dependerá da comprovação da culpa no procedimento médico. Assim, o dever de indenizar da entidade empregadora, em princípio, apenas pode ocorrer quando provada a culpa ou o dolo do profissional de saúde, o nexo causal e o dano.”
Logo a responsabilidade do Estado é objetiva (ato ilícito e nexo causal entre este e o dano), salvo de há quebra do nexo causal por uma das excludentes de responsabilidade (caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro).
E está fundamentada pela teoria do risco administrativa.
3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ERRO MÉDICO
Bem, superado acerca da responsabilidade objetiva e da teoria que adotamos, importante lembrar que se o Estado for responsabilizado pelo erro médico é possível ação de regresso contra o médico, ainda mais agora que o Estado está com os cintos apertados. E há uma diferença na responsabilidade do Estado e do médico. Se uma pessoa sofreu um dano, entra com uma ação contra o Estado, não tem que se preocupar em provar a culpa (imperícia, imprudência e negligência), mas se o Estado regressou contra o médico, a responsabilidade será subjetiva, e terá que ser provada a culpa, imprudência, imperícia e negligência. Este é um campo técnico e será necessário perícia para avaliar a conduta do médico.
Conforme entendimento jurisprudencial: “A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários, e não usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da CF. A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não usuário do serviço público é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado.” (RE 591.874, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 26-8-2009, Plenário, DJE de 18-12-2009, com repercussão geral.) No mesmo sentido: ARE 675.793, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 15-3-2012, DJE de 26-3-2012; AI 831.327-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 22-2-2011, Primeira Turma, DJE de 24-3-2011. Em sentido contrário: RE 262.651, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 16-11-2004, Segunda Turma, DJ de 6-5-2005.
Em sendo a responsabilidade de natureza subjetiva, pode o Estado denunciar à lide o médico e, neste caso, trata-se de uma faculdade do magistrado.
Outro entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça-STJ: ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ERRO MÉDICO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. FACULDADE. “Nas demandas em que se discute a responsabilidade civil do Estado, a denunciação da lide ao agente causador do suposto dano é facultativa, cabendo ao magistrado avaliar se o ingresso do terceiro ocasionará prejuízo à economia e celeridade processuais. Agravo regimental não provido.” (AgRg no AREsp 139.358/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/11/2013, DJe 04/12/2013).
O entendimento majoritário é do Supremo Tribunal Federal-STF, que diz o seguinte: “NÃO CABE DENUNCIAÇÃO DA LIDE E NÃO HÁ LEGITIMIDADE CONCORRENTE, UMA VEZ QUE A NATUREZA DAS RESPONSABILIDADES É DIFERENTE.” (STF, RE 344.133)”
“A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandá-la ou mesmo excluí-la. Precedentes.” (AI 636.814-AgR, Rel. Min.Eros Grau, julgamento em 22-5-2007, Segunda Turma, DJ de 15-6-2007).
Então nos termos do entendimento majoritário, se recomenda que seja movida pelo paciente ação contra o Estado, podendo este regressar contra o médico, ou que a ação seja movida contra o médico. Não é possível colocar no mesmo polo passivo Estado e médico, pois são ações de responsabilidades diferentes. Também não é necessária, para condenar o Estado, a culpa do médico. É juridicamente possível condená-lo, sem culpa, porém com elementos suficientes necessários. A responsabilidade do Estado é mais ampla pelo rol de fatos que pode gerar, tais como falha no momento da internação, falta de medicamentos, etc. Se houver culpa concorrente da vítima, ou você exclui ou abranda a responsabilização do Estado.
4. ERRO MÉDICO NO ÂMBITO DO SUS
O erro médico é definido por Hildegardi Giostri “como uma falha no exercício da profissão, do que advém um mau resultado ou um resultado adverso, efetivando-se através da ação ou da omissão do profissional”.
Interessante notar que o erro pode gera inúmeros inconvenientes, entretanto, especificamente o erro no atuar médico adquire grandes proporções, pois os médicos cuidam do bem mais valioso “a vida humana”. Nesse sentido, oportuna as palavras de Sérgio Cavalieri Filho: “Os médicos erram porque são pessoas. […]. O erro ocorre em todas as profissões. O problema é que o médico lida com vida humana em situações muitas vezes imprevisíveis, o que tornam mais dramáticos.
E o erro médico no âmbito do SUS, com gestão de sistemas compartilhados entre a União, Estados e Municípios e o setor privado, muito já se discutiu na jurisprudência a atribuição de responsabilidade para cada ente político, ou seja, qual a responsabilidade da União, do Estado e dos Municípios. Principalmente no campo do fornecimento de medicamentos, onde o serviço é uma confusão, porque ninguém assume responsabilidade, cada um delega para o outro ente a responsabilidade, o que gera dificuldades para saber quem é o legitimado do ponto de vista passivo.
Temos dois casos: erro médico no âmbito de um hospital municipal. Quem responde?
E um erro médico no âmbito de um hospital privado que presta serviços no âmbito do SUS? Quem responde? De quem e a legitimidade?
Segundo entendimento do STJ, no caso de prestador de serviços públicos, ou seja, um hospital municipal, a União não tem legitimidade para figurar no polo passivo da ação. Por esta tese, a pessoa política a qual o hospital está vinculado é quem responde, ou seja, o município.
Entendimento jurisprudencial: Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, “A União não possui legitimidade passiva nas ações de indenização por falha em atendimento médico ocorrida em hospital privado credenciado no SUS, tendo em vista que, de acordo com a descentralização das atribuições determinada pela Lei 8.080/1990, a responsabilidade pela fiscalização é da direção municipal do aludido sistema”. (Resp. 1.162.669/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, DJe 6/4/10). 2. Não há falar em legitimidade passiva da União, responsável, na condição de gestora nacional do SUS: (a) pela elaboração de normas para regular as relações entre o sistema e os serviços privados contratados de assistência à saúde; (b) pela promoção da descentralização para os Estados e Municípios dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal; e (c) pelo acompanhamento, controle e avaliação das ações e dos serviços de saúde, respeitadas as competências estaduais e municipais (Lei 8.080/90, art. 16, XIV, XV e XVII). 3. Agravo regimental não provido.”
No mesmo sentido:
“Relativamente à execução e prestação direta dos serviços, a Lei atribuiu aos Municípios essa responsabilidade (art. 18, incisos I, IV e V, da Lei n.º 8.080/90), compatibilizando o Sistema, no particular, com o estabelecido pela Constituição no seu artigo 30, VII: Compete aos Municípios (…) prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população” (Resp. 873.196/RS, 1ª Turma, Rel. p/ acórdão Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 24.5.2007).
Ainda no mesmo sentido
Ainda assim, o Superior Tribunal de Justiça-STJ: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. Estado pode responder por erro em hospital privado credenciado pelo SUS. “O Estado pode ser responsabilizado em casos de erro médico comprovados ocorridos em hospital privado credenciado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O entendimento é do Superior Tribunal de Justiça, conforme mostra a ferramenta Pesquisa Pronta, que reuniu dez acórdãos sobre o assunto. Para definir a responsabilidade para figurar no polo passivo das demandas pleiteando danos morais e materiais, entre outros pedidos, é preciso observar quem é o ente responsável pelo convênio do Poder Público com a instituição de saúde privada. Em decisão, o Superior Tribunal de Justiça negou pedido de uma das partes para responsabilizar solidariamente a União em caso que envolvia um município e um hospital privado conveniado. No entendimento dos ministros, embora o SUS seja um sistema nacional, é preciso ressaltar a responsabilidade de quem assinou o convênio, no caso o município. Entre as cláusulas contratuais do convênio, está expressa a necessidade de verificar o cumprimento da pactuação, bem como zelar pela qualidade do serviço contratado, o que remete diretamente à responsabilidade ao órgão que assinou o convênio. Os ministros lembram as definições da lei do SUS (Lei 8.080/90), que descentralizou responsabilidades de fiscalização aos municípios. Apesar de gestora nacional do sistema, a União somente responde em casos de gestão direta de convênios. Como em regra a União formula as políticas e os estados e municípios executam, geralmente as ações acabam tendo como polo passivo os municípios que firmam convênios com instituições privadas, e não a União, que neste caso apenas repassa os recursos. A exceção são as áreas em que a União atua como executora, como a saúde indígena; o que, em tese, permitiria a responsabilização direta, em caso hipotético semelhante.”
Em entendimento mais recente:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO. HOSPITAL PRIVADO. ATENDIMENTO CUSTEADO PELO SUS. RESPONSABILIDADE MUNICIPAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO.“1. Considerando que o funcionamento do SUS é de responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, é de se concluir que qualquer um destes entes tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de quaisquer demandas que envolvam tal sistema, inclusive as relacionadas à indenizatória por erro médico ocorrido em hospitais privados conveniados.” (Resp. 1388822/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/06/2014, DJe 01/07/2014).
No caso de hospital privado credenciado no SUS também é responsabilidade do município que tem a função de fiscalizar esses hospitais, portanto é responsável pelos erros médicos. Porém, quem sofreu o dano pelo erro médico pode ajuizar ação contra qualquer ente político.
E o entendimento conclusivo é que os entes políticos são solidários na responsabilidade, cabendo a cada um a ação de regresso.
5. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO OMISSIVO
Entende-se por ato omissivo, uma omissão. Deixar de fazer.
A responsabilidade por omissão é um dos campos mais férteis quando se trata de prestação de serviços públicos ou privados na área da saúde, pois muitos dos vitimados sofrem, na maioria das vezes, por não ter acesso aos serviços de saúde. É o famoso caso de um paciente que chega como emergência no pronto-socorro de um hospital público ou privado conveniado do SUS, e morre porque não havia médico para atender, ou o sujeito não compareceu ao plantão, ou porque faltava equipamento para fazer um exame.
A doutrina e a jurisprudência brasileiras são unânimes quanto à natureza objetiva da responsabilidade do Estado por conduta comissiva. Porém, quanto às condutas omissivas do Estado, o direito pátrio traz duas teses divergentes.
A primeira tese é a da responsabilidade objetiva, ou seja, não é necessário investigar culpa, não é necessário investigar o que aconteceu, mas é preciso configurar o nexo causal, o dano e o ato ilícito.
Agora os que criticam a tese da responsabilidade objetiva do Estado por atos omissivos, eles alegam que ao defendê-lo está se fazendo que o Estado se torne um segurador universal, por exemplo, se um sujeito foi assaltado na rua, vitima de roubo, a responsabilidade é do Estado, pois a segurança foi omissa. Com a ideia de nexo causal se consegue manter uma relação de coerência entre uma omissão especifica (o plantonista não estava ou o aparelho estava quebrado) diferente de omissão geral (não tinha um guarda na rua); daí a diferença entre omissão geral e omissão específica definida, que tem o nexo causal muito claro com o dano.
Agora, a outra tese, é a da responsabilidade subjetiva na qual será necessário ter que produzir prova sobre a falha no serviço. É uma prova de culpa. Deve ser provado que efetivamente o serviço está sendo prestado de forma falha, e esta culpa na prestação do serviço é o que vai gerar a responsabilidade do Estado por ato omissivo.
A primeira tese, que sustenta ser a responsabilidade por atos omissivos objetiva, é seguida pelo doutrinador Marçal Justen Filho e outros, fundamentando-se no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
Contudo, que esse entendimento não é pacífico, uma vez que grande parte da doutrina defende outra interpretação do art. 37, § 6° da Constituição Federal, baseada na teoria do risco administrativo. De acordo com essa corrente doutrinária, o aludido dispositivo deve ser lido e interpretado como “causarem por ação ou omissão”. Esse é o pensamento de Marçal Justen Filho, para quem existe uma presunção da culpa pelo fato do Estado ter falhado em face de um dever de diligência especial.
Já a segunda tese, defendida por Celso Antônio Bandeira de Mello e outros, aponta a responsabilidade do Estado como sendo de natureza subjetiva.
Sobre a questão, Celso Antonio Bandeira de Mello entende que:
“A responsabilidade por omissão é responsabilidade por comportamento ilícito. E é responsabilidade subjetiva, porquanto supõe dolo ou culpa em suas modalidades de negligência, imperícia ou imprudência, embora possa tratar-se de uma culpa não-individualizável na pessoa de tal ou qual funcionário, mas atribuída ao serviço estatal genericamente. É a culpa anônima ou faute du service dos franceses, entre nós traduzidos por ‘falta do serviço’”.
E o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal-STF diz o seguinte: “Tratando-se de ato omissivo do Poder Público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. A falta do serviço – faute du service dos franceses – não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao Poder Público e o dano causado a terceiro.” (RE 369.820, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 4-11-2003, Segunda Turma, DJ de 27-2-2004.) No mesmo sentido: RE 602.223-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 9-2-2010, Segunda Turma, DJE de 12-3-2010; RE 409.203, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 7-3-2006, Segunda Turma, DJ de 20-4-2007; RE 395.942-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 16-12-2008, Segunda Turma, DJE de 27-2-2009.
Ou seja, não é a mesma coisa da responsabilidade do médico, se ele foi imprudente, imperito ou negligente, mas essa ideia dos requisitos da culpa estão presentes. O que vai se verificar é se teve falha no serviço, ou seja, teve imperícia, imprudência e negligência na sua realização.
Portanto, a teoria subjetiva é predominante pelos julgados.
6. CONCLUSÃO
Conforme vimos na Constituição Federal e na Lei 8080/90, o Estado, por intermédio da União, Estado e Munícipio é responsável por garantir solidariamente a saúde em caráter universal a todo o povo brasileiro, cabendo a cada ente ingressar com a ação de regresso que entender cabível.
Um hospital privado conveniado ao SUS pode ser solidário com o Município, podendo este regressar contra o Estado e a União.
Na eventualidade de um erro médico por ato ilícito (erro médico – ato comissivo) praticado em hospital público ou hospital privado conveniado ao SUS, o Estado poderá responder objetivamente.
Caso a culpa seja do médico, deverá ser provada, o que pode ser feito mediante ação de regresso do Estado contra o profissional, ou em ação específica contra este. O entendimento majoritário é que não cabe denunciação à lide pelo Estado, e não há legitimidade concorrente, uma vez que a natureza das responsabilidades é diferente.
No caso de erro por ato omissivo (falha no serviço, falta de um medicamento, ou na falta de leito para internar o paciente e este vem a morrer), o Estado poderá responder objetivamente sem ter que comprovar a culpa, ou subjetivamente mediante a comprovação de culpa, ou seja, se caracterizado a imperícia, imprudência ou negligência não do médico, mas sim da falha do serviço.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Antônio Sérgio da Silva Arouca (Ribeirão Preto, 20 de agosto de 1941 — Rio de Janeiro, 2 de agosto de 2003) foi um médico sanitarista e político brasileiro. Como médico, como parlamentar ou como militante partidário, Arouca procurou debater e apresentar propostas associadas, predominantemente em questões das áreas da saúde e da ciência e tecnologia. Faleceu aos 61 anos, de câncer no intestino.
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Karine Camargo Benez
A autora é membro da Comissão de DIREITO DA SAÚDE PÚBLICA E SUPLEMENTAR.